segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Abuso em famílias muçulmanas: invisível nas estatísticas

Elas se chamam Zohra, Rabea, Ibtisam e Saida e são vítimas de abuso sexual. Os infratores: pai, tio, primo ou irmão. Elas decidiram quebrar anos de silêncio, por saber que muitas outras mulheres muçulmanas passam pela mesma situação. "Tabus, segredos, vergonha e silêncio e uma comunidade fechada formam o cenário ideal para a ocorrência do abuso sexual”, alerta uma assistente social.

O código de honra dentro da família foi o responsável pelo silêncio de Zohra, Rabea, Ibtisam e Saida. Agora elas contam sua história para romper o tabu que paira sobre a questão do abuso sexual no seio da família muçulmana. Já não se sentem mais vítimas. Sua missão agora é ajudar outras jovens.


Sem dados, sem ajuda


Os casos das jovens muçulmanas não aparecem nos arquivos. Os autores tampouco. "Em casos de delito moral, os homens muçulmanos estão sub-representados. Portanto, os omitimos. Em muitos casos, as jovens não fazem boletim de ocorrência. O abuso então não vem à tona", diz Zohra Acherrat, psiquiatra da Fier Friesland.

Os relatos esporádicos de incesto não são provenientes apenas da Holanda. Os trabalhadores humanitários no Marrocos e na Dinamarca também estão cientes, mas não dispõem de dados.

E a ausência de cifras implica a ausência de ajuda. “Nós não nos baseamos em histórias individuais de mulheres, mas na investigação de centenas de arquivos. Entretanto, não se pode chegar à conclusão de que o incesto seja mais comum em famílias muçulmanas que nas famílias autóctones", diz William Timmons, do Landelijk Expertisecentrum Eergerelateerd Geweld - centro holandês contra a violência relacionada aos códigos de honra familiar.

Jovens vítimas

Suas histórias são diferentes, mas também têm muito em comum. Todas tinham por volta de quatro ou cinco anos quando foram abusadas pela primeira vez por um membro da família. Mantiveram-se em silêncio, sob pressões e ameaças, mas também por receio de violar a honra da família. E pelo risco de que a própria família as culpasse e banisse. Fazer um boletim de ocorrência junto à polícia jamais passou por suas cabeças. Afinal, pedir que dessem esse passo era pedir demais.

Rabea foi abusada pelo pai na tenra infância. Sentiu-se confusa e aturdida consigo mesma, o que a levou a adotar um comportamento bastante rebelde:

"É algo tão pouco natural! Se alguém é espancado na escola ou na rua, busca amparo com os pais ou professores. Mas o que fazer quando o agressor é o próprio pai? Isso vai contra todos os princípios. Eu não sabia a quem recorrer. Foi por pouco que não acabei na prostituição. Felizmente isso não aconteceu. O apoio do próximo e a fé em Jesus Cristo foi que finalmente me deram coragem e força."

Zohra guardou para si a história anos a fio. Ela conta que foi estuprada quando tinha cinco anos pelo primo no Marrocos: "Estava hospedada na casa da minha tia, e certa vez meu primo teve de tomar conta de mim. Jamais esquecerei tudo o que aconteceu naquele dia: ele me privou de tudo. Minha tia nos apanhou em flagrante. Ela me proibiu de contar o ocorrido aos meus pais. Ninguém acreditaria em mim. Eu já tinha perdido a fé. Você se sente como doente por conta do abuso sexual, mas eu aprendi neste meio tempo que é possível curar-se novamente."

Receita para o abuso

A assistente social Kristina Aamand já ouviu histórias como essas muitas vezes. Ela trabalha num centro de acolhimento e ajuda a jovens na Dinamarca, um país com muitos imigrantes muçulmanos. "Isso acontece tanto em famílias de imigrantes como na dos dinamarqueses. A diferença é que mal se conhecem os casos de abuso dentro da família muçulmana. Durante a minha formação profissional, me diziam que eu não precisava aprender nada sobre a questão do abuso sexual em países muçulmanos, por ser estritamente proibido pelo Islã. Muita ingenuidade. Tabus, segredos, silêncio e vergonha e uma comunidade fechada formam quase a receita ideal para que ocorra o abuso sexual.”

Ibtisam foi quase diariamente abusada pelo irmão, dos seis aos doze anos. "Se eu tivesse contado, ele teria colocado a culpa em mim. Eu teria sido ou assassinada ou banida. Sentia-me suja, triste e abandonada pela minha própria família, e muito solitária. Uma morta-viva, que só fazia respirar.” O abuso cessou um ano depois que Ibtisam ameaçou seu irmão de que iria contar o que acontecia.

Saida foi vítima de agressores diferentes. Ela ainda sofre diariamente as sequelas de tais experiências. "Fui vítima de abuso dos quatro aos vinte anos, de autores diferentes. Agora me sinto mentalmente e fisicamente destruída.” Assustada, ainda não consegue tolerar a intimidade com homens, não consegue se apaixonar. “Eu não tive nem uma infância nem uma adolescência normais.” O médico não a levava a sério. Saida montou há alguns anos atrás um projeto-lar. Deu-se então conta de que muitas outras jovens muçulmanas são abusadas, jovens que não contam sua história.

Mais sinais

As histórias de Zohra, Rabea, Ibtisam e Saida não são episódios isolados. Verificam-se muitos sinais de abuso sexual dentro das famílias muçulmanas. O centro de tratamento Fier Frísia acolhe vítimas de violência no âmbito da tradição da honra familiar. Os dados demonstram que mais da metade das meninas acolhidas entre 2008 e 2010 (45 de 86) sofreu abuso sexual por parte de algum parente. Trata-se principalmente de jovens de origem turca ou marroquina, mas também iraquiana, afegã e curda.

Zohra, Ibtisam, Rabea e Saida estão atualmente na casa dos 30, mulheres que conseguiram encaminhar-se novamente na vida. As vezes ainda mantêm contato com os familiares. Elas estimulam outras mulheres a contar sua história a pessoas em quem confiam. "Elas não estão sozinhas. Minha experiência diz que se torna cada vez mais fácil contar a história de um abuso. Espero que as vítimas possam obter a força e a coragem necessárias por meio de nossas conversas ", diz Ibtisam.

0 comentários:

Postar um comentário

Termo de uso

O Blog De Olho na Jihad não se responsabiliza pelo conteúdo dos comentários e se reserva o direito de eliminar, sem aviso prévio, os que estiverem em desacordo com as normas do site ou com as leis brasileiras.

As opiniões expostas não representam o posicionamento do blog, que não se responsabiliza por eventuais danos causados pelos comentários. A responsabilidade civil e penal pelos comentários é dos respectivos autores. Por este motivo os que comentarem como anônimos devem ter ciência de que podemos não publicar ou excluir seus comentários a qualquer momento.
Se não tiver gostado, assine, ou não comente e crie seu próprio site e conteste nossas informações.

Ao comentar o usuário declara ter ciência e concorda expressamente com as prerrogativas aqui expostas.

A equipe.

Share

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More